Sublimação

Numa outra noite qualquer em que a minha companheira chegaria novamente tarde, ficamos de nos encontrar num café onde parava a maior parte do pessoal com que nos dávamos.

Cheguei por volta das dez, e embora fosse relativamente cedo, o ambiente estava já bem carregado de álcool. Cumprimentei-a, sentei-me ao lado dela, olhei-lhe para os olhos e percebi que também estava bem tocada, mas mantinha a compostura, como sempre, com uma classe absoluta.

Na mesa, connosco, estava o pseudo-namorado dela, o tipo com quem ela volta e meia dava umas, e que tinha a cabeça aterrada em cima dos braços, na mesa, completamente embriagado.

-Daqui não levo nada hoje… - Comentou ela piscando-me o olho.

-Realmente, não me parece.

-Levas-me a casa?

-Queres ir?

-Já não estou muito bem e não estou aqui a fazer nada. Leva-me. Pelo menos acordo fresca amanhã.

Levantei-me.

-Vamos. – Disse-lhe.

-Ela procurou a minha mão para se equilibrar a levantar, e assim que se ergueu largou-me sentindo-se já segura e saímos do café em passos mais calmos que lentos em direcção ao meu carro.

Abri-lhe a porta e ajudei-a a sentar, e dei a volta ao carro para entrar eu.

Levei-a a casa. Ela limitou-se a seguir de olhos fechados e não trocamos uma palavra pelo caminho. De relance, contemplava-a. Era uma criatura magnífica, a mulher mais poderosa que conhecera até então, apenas pela consciência que tinha do seu poder.

Cheguei à porta do prédio dela e estacionei. Ela abriu o olhos e olhou-me languidamente, meio entorpecida.

Sorri-lhe.

Ela atirou-se suavemente para o meu colo, repousando de costas para mim, com a cabeça assente no meu braço esquerdo.

A minha mão direita, livre, fazia-lhe festas no cabelo.

Baixei-me e beijei-a no rosto.

Quando me ia a afastar, ela virou a cara, os seus lábios procurando os meus…

…e aprisionando-os, enlevando-os, envolvendo-os, a língua macia desliza, procura, quer, dá-se, os lábios colam-se e aquele beijo começa sem vontade de acabar, a sua mão direita procura a minha, encontra-a, leva-a ao seio, guia-me na maneira como quer que eu a toque, com os dedos entrelaçados e o beijo continua doce, calmo, suave, quente, intenso, vibrante, pulsante…

Após uma brevíssima eternidade o beijo acabou. Ficamos os dois, olhos nos olhos, parados, sérios, estáticos, a respirar pesadamente.

Ela movimentou-se para se levantar, eu deixei-a, ela encosta-se no banco, leva a mão à porta, como que para a abrir, para, arrepende-se, olha para mim, séria, sedutora, tentadora, libidinosa, e diz:

-Mais!

Aquilo soou-me a uma súplica, um pedido, um comando, uma ordem inquestionável, uma vontade, e o carro arrancou sem destino e enquanto eu pensava onde queria ir o carro decidiu e rumou à fonte da telha, a alguns quilómetros de onde nos encontrávamos.

Ela encostou a cabeça no meu ombro e acariciava-me o peito com a mão enquanto eu conduzia. Sabia-me bem senti-la ali.

A mão dela desceu, vagarosamente, até chegar ao meu cinto que desapertou num movimento fluido, desapertou os botões das calças um a um, escorregou pela abertura dos boxers, fazendo-me ficar liberto, agarrou-me, sentindo-me duro na sua mão, disputando avidamente a minha atenção à estrada que corria velozmente debaixo de nós.

Queria parar para a apreciar, mas queria chegar para a apreciar ainda mais e isso fazia que eu continuasse a condução e me deixasse sujeitar a tortura.

Ela percebeu, a minha dualidade de sentimentos, divertiu-se, mais, deleitou-se nisso, baixou-se e tomou-me na sua boca, deslizou suavemente, sugando-me, envolvendo-me…

…fodendo-me!

-Ainda me fazes ter uma coisinha má… - Disse eu, incapaz de tomar outra decisão que não fosse continuar.

-Tem… - disse ela.

Com a minha súbita decisão de a querer, de querer tê-la, de querer satisfazer-lhe a luxúria, saciá-la, o motor do carro protestou e fez a estrada rolar mais depressa debaixo do carro.

O caminho foi rápido, mas demorei uma eternidade a chegar ao alto da arriba. E eis que chegado, com os sentidos sobrecarregados, me sinto a derramar por sobre a visão que me entra pelos olhos, e perco-me na imensidão do oceano banhado pelo luar, carregado de sulcos e reflexos, com as ondas salpicadas do branco mais puro, e ela recebe o meu despreendimento de forma sedenta, ansiosa, oferecendo-se a mim.

É ainda com o corpo sobrecarregado de emoções que estaciono, solto o cinto de segurança, desço os dois bancos, chego-me a ela, e retomo o beijo que abandonáramos antes, agora carregado do meu sabor, e acho que pela primeira vez perdi a consciência de ser eu, mas também não tomei consciência de ser outro qualquer…

…apenas fiquei num limbo intemporal, e abandonei-me.

As minhas mão percorreram a sua vastidão, ela que era simplesmente o meu mundo neste instante, retirando botão a botão das suas calças, procurando-a, tocando-a e sentindo a medida da sua excitação na humidade que aflorava do seu sexo.

Ansioso por reavivar a memória do ser sabor retirei a mão e levei-a à minha boca, provando-a.

-Dá-me. – ordenou ela.

Dei e ela provou-se e lambeu os meus dedos até ter tido para si todos os vestígios do seu sabor, devolvendo-mos a seguir com a sua língua na minha.

Os meus dedos desapertavam-lhe a camisa, ansiosos por a libertar e poderem tocar aquele peito suave. Mas a ansiedade era calma e graciosa, não se permitindo a que a pressa destruísse a intemporalidade do momento.

As línguas continuavam a dançar um tango em que ambos lideravam e eram submissos, nenhuma querendo o protagonismo, nenhuma procurando mais do que era procurada, de forma incontida, quando os dedos afloraram o mamilo que se erguia orgulhosamente suplicante pela caricia que tinha com certa.

A mão dela desceu sentindo-me percebendo o quanto tudo isto me elevava. A minha desceu, tentando libertá-la das calças que eram obstáculo à sublimação…

…e quando a tive livre descei os meus dedos deslizar nela, senti-la quente, desejosa, penetrá-la e sentir toda a sua textura, e baixei-me e provei-a e tive o seu gosto e quis que ela sentisse o que eu sentia e deixou de haver algo no universo que não fosse o prazer que eu lhe queria dar e o prazer que ela recebia. E que ela recebeu. E que deu de volta…

…inundando-me, dando-me o pleno do seu sabor, enchendo o meu paladar, pulmões plenos do seu odor…

…e quis tê-la, dando-me, e tomei-a, por inteiro e ela, sentindo o meu assalto arqueou as costas e respirou fundo, procurando ar e tornando-se uma muralha que eu tinha de conquistar…

…e dediquei-me, assalto após assalto, investida após investida até a conquistar e a ter rendida por completo ao prazer que era nosso e que eu quis ter, tempo após tempo, caminhando para a sublimação…

…e de repente diluímo-nos no mar ali ao lado e fugimos do tempo e esquecemos a existência.

Lembro-me de dar por mim, depois, com a boca colada à dela, corpo colado ao dela, oferecendo-nos um ao outro uma sensual explosão de luxúria, a pele a arrepiar das sensações, a tesão saciada, mas a vontade da alma absolutamente intacta e ainda mais emergente.

E depois…

Depois o mundo apanhou-nos de volta e o tempo voltou a fluir e tivemos de nos afastar.

Despedi-me dela com um beijo pleno de desejo saciado à porta do seu prédio.



Há momentos que nos definem, únicos, em que sabemos que éramos uma pessoa antes e passamos a ser alguém diferente, momentos que são uma evolução brusca nos nossos padrões de pensamento.

Este foi um deles.

O mundo deixou de ter uma forma definitiva para passar a ser algo extremamente moldável…

2 comentários:

Anónimo disse...

Por vezes somos surpreendidos pelo que pensavamos à muito não existir.
Gostei

(Soul)

Anónimo disse...

Sim, somos...

Obrigado

:)