Ira

Estava com a cabeça completamente fodida.
Depois do que falámos era difícil sequer pensar.
Como é que era possível?
Estava passado.
Fumava um charro atrás do outro com a esperança de que o Haxixe me adormecesse o espírito e o corpo. Apetecia-me apanhar uma bebedeira, mas não havia álcool por ali, por isso vingava-me no que tinha.
Sentia-me aéreo, como se flutuasse, e esperava, mas ainda assim, não esquecia e as palavras não me saiam da cabeça.
Fui forçado a sair do reino dos meus pensamentos pelo toque do telemóvel.
-Sim?
-Pá, afinal hoje não vai dar… Já tas aí?
-Há duas horas, caralho. Uma seca de duas horas e dizes que já não há nada?
-Pa, desculpa, mas é que…
Foda-se! Há sempre um “mas é que…”. Só para mim é que não pode haver.
-Pá, caga lá nas desculpas. Não aparecem, não é? Que se foda.
E desliguei. Desculpas de merda para quê?
Fui para o carro. Sentei-me e quando o ia para ligar o meu corpo começou a tremer e quando dei por mim chorava convulsivamente.
Peguei no telemóvel. Tinha de falar com alguém. Marquei o numero de cor. Já não marcava aquele numero há 8 anos.
-Sim? – Atendeu ela do outro lado, com a mesma doçura como sempre o fazia, embora a voz estivesse mais áspera, mais madura ainda.
-Olá. – ela ficou muda por uns segundos, assim que reconheceu a voz – Está tudo bem contigo?
-Meu anjo, há quanto tempo… E contigo?
Não consegui responder. Ela ouviu os meus soluços do outro lado.
-Que se passa, meu querido? – Perguntou.
-Tudo. Desculpa, eu não te devia ter ligado, mas apetecia-me tanto falar com alguém… Mas não tenho o direito de te incomodar. Já perdi esse direito há muito tempo.
-Deixa de ser parvo. Olha, estou sozinha em casa, não queres vir até cá e falamos um bocadinho?
Apesar de relutante, acabei por aceitar e meti-me à estrada.
Precisava mesmo tirar de cima dos ombros o peso que sentia e sabia que ela entenderia.
Vinte minutos depois estacionava à porta dela.
Abriu-me a porta.
Estava vestida de uma forma simples, normal para quem está em casa sozinha. Um pijama largo, um robe leve e umas meias daquelas para andar por casa.
Tinha tomado banho à pouco tempo e tinha o cabelo esticado pelo secador, como me recordava de ela sempre ter feito, porque detestava o seu cabelo naturalmente encaracolado, que eu, por acaso, simplesmente adorava.
O sorriso que trouxera até à porta desvanecera-se assim que olhou para mim. Abraçou-me mesmo antes de fechar a porta.
-Então, rapaz? Que é que se passa contigo?
Não fui capaz de falar. Abracei-a, agarrei-me a ela e explodi finalmente, deixei as lágrimas correr livremente.
Ela ficou comigo ali no hall de entrada, suportando-me. Agarrei-me a ela como a um rochedo, uma tábua de salvação, uma bóia que me mantivesse a flutuar num oceano de emoções que queria afundar-me. Ou onde eu me queria afundar.
Depois ela agarrou-me a face com ambas as mãos e beijou-me os lábios, com a suavidade de alguém que apenas quer sarar. E depois beijou outra vez e voltou a abraçar-me.
-Anda, … - disse - …não vamos passar o resto da noite no hall de entrada, pois não?
Deixei que ela me guiasse até à sala, onde me fez sentar no sofá.
Ela sentou-se na mesinha, à minha frente, e ficou um bocado a olhar para mim antes de me perguntar:
-Afinal o que é que se passa, garoto? Nunca te vi assim…
E em resposta, numa torrente, se calhar até algo desconexa, disse-lhe tudo o que me ia na alma, tudo o que estava acumulado e que se recusava a sair, todas as duvidas, medos, frustrações. O quanto a minha vida mudara desde o principio do ano, o quanto eu me sentia inseguro. O quanto eu sentia que a razão do peso que eu carregava era por minha exclusiva culpa…
…e ela limitou-se a ouvir. Sem juízos, sem opinião. Sabia que eu não tinha ido ter com ela para ser julgado, para lhe pedir conselhos, apenas precisava de libertar a pressão que sentia.
Por fim, quando me calei, levantei-me e fumei um cigarro. Ela abraçou-me por trás e ficou ali. Por fim largou-me e fez-me companhia, acendendo também um.
Eu acabei o meu e sentei-me, apático.
Ela acabou logo a seguir e sentou-se ao meu colo, aninhando-se em mim, pequena que é para me poder dar ela colo.
Depois, naturalmente começou a beijar-me.
Por uns momentos deixei-me ir, mas depois fi-la parar. Ela levantou-se, olhou para mim com doçura.
-Eu sei que não é a mim que queres, mas sou eu que estou aqui. Não te preocupes.
Juntou-me as pernas, sentou-se em cima delas, agarrou-me beijou-me, colou o seu sexo ao meu, por cima da roupa e fez ondular as ancas, enquanto me beijava.
Ela beijava-me os labios, e eu respondia aos seus beijos, não com paixão, mas com medo de a desapontar de alguma maneira. Beijava-me o pescoço, chupava os lóbulos das minhas orelhas…
Apetecia-me afastá-la, mas sentia-me fraco demais para o fazer.
Ela começou a desapertar-me a camisa e foi beijando o meu peito até se pôr a sugar os meus mamilos enquanto descia até chegar ao ultimo botão. Lá chegada, levantou-se e passou as mãos ao longo do meu corpo.
Fez deslizar o robe pelos ombros, deixando-o cair no chão, desapertou os botões do pijama e, já com o peito desnudo, colou-se novamente a mim, fazendo os seus mamilos duros de tesão deslizarem ao longo da minha pele.
Sempre adorei o contacto do corpo dela. Pena que a minha cabeça estivesse tão longe.
-Fecha os olhos. – dizia-me ela – Tudo estará bem. Pensa que é ela que está aqui, e não eu.
Eu queria, mas não funciono assim. Ainda assim deixei-me ficar, submetido a ela, aos seus carinhos.
Ela acabou por deslizar para o chão, abriu-me as pernas, deitou a mão ao meu cinto, desapertando-o. Depois fez deslizar as calças até me as tirar por completo. Agarrou então os meus boxers e fez o mesmo, expondo-me.
Olhei para ela, envergonhado pelo facto de não haver um indicio de excitação da minha parte. Ela agarrou-me, flácido como estava, e começou a masturbar-me devagar. Com a outra mão começou a massajar os meus testículos e além deles, o espaço até ao meu ânus.
Estranho como, mesmo ao fim de tanto tempo, ela sabia o que eu gosto melhor do que eu próprio e me conhece tão bem.
Lentamente o meu corpo foi reagindo e via nos olhos dela a felicidade por se aperceber disso, assim como a via a lamber os lábios de antecipação. E de repente toma-me com os seus lábios e engole-me por inteiro, conseguindo fazer a língua tocar nos meus testículos. Sempre me perguntei como ela o conseguia fazer. Apenas duas mulheres o fizeram desta forma, comigo, até hoje, e ela foi a primeira. Lembro-me de lhe ter perguntado da primeira vez “Como é que conseguiste?" e da resposta “quero comer-te todo!”.
Começou a foder-me assim, com a boca, devagar, engolindo-me sempre por inteiro enquanto se masturbava. Os seus pequenos e abafados gemidos faziam vibrar a sua garganta o que me dava ainda mais sensações. A pouco e pouco conseguiu ter-me completamente excitado, e quando o sentiu, levantou-se num ápice, nunca me largando da sua mão, e sentou-se em cima de mim fazendo-se penetrar de uma só vez. Estava ainda apertada, mas completamente molhada pela sua própria masturbação, e conforme se me sentiu inteiro soltou um pequeno grito de prazer e de alguma dor.
Olhou-me directo nos olhos.
-Já me tinha esquecido de que eras tão grande…
-Queres parar?
-Não!
E dito isto colou o seu corpo ao meu e ondulou as ancas para me sentir melhor e para se habituar a mim. Depois levantou-se, apoiou as mãos nos meus ombros e fez-se deslizar devagar ate me tirar quase por inteiro para depois se deixar cair pesadamente.
-Sabes as saudades que a minha coninha tinha de ti? Tanto tempo e nunca ninguém a tratou como tu tratavas… Deixa-te estar sossegado. Quero foder-te esse caralho boooom!
Foi aumentando o ritmo e a intensidade. Gemia. Agarrei-lhe as nádegas e fiz-me afundar ainda mais nela. Gritou.
-Fode-me. Foda-se, que saudades do teu caralho…
Aos poucos as palavras que diziam foram-se perdendo no meio dos seus gemidos. Foram ficando desconexas. Arfava. E por fim, com um grito veio-se num orgasmo longo, muito longo e que acabou com ela a desabar em cima de mim.
Deixei-me ficar dentro dela, completamente dentro dela enquanto sentia ainda um ou outro espasmo seu. Depois ela elevou-se um pouco, beijou-me com uma tesão louca, levantou-se, agarrou-me na mão e disse:
-A cama é mais confortável. Anda…
Chegados ao quarto, gatinhou para cima da cama e virou-se para mim, tomando-me novamente com a boca. Pus as mãos na sua cabeça, afagando-lhe o cabelo e sentindo os seus movimentos, segurando-a de vez em quando para fazer o meu caralho deslizar ainda mais fundo e sentindo a sua garganta a apertar-me a glande. Ela gemia propositadamente quando eu fazia isto, sabendo que a vibração que sentia até obstruir por completo a garganta me dava um prazer doido.
-Foda-se, … - dizia eu - …já me tinha esquecido de como fodes bem com a boca.
Ela largou-me pelo tempo suficiente para dizer:
-Querido, quem sabe não esquece… - e dito isto cuspiu-me na glande e voltou a engolir-me.
-Gostas de me chupar assim cheio do sabor da tua esporra, não é?
Assentiu em resposta afirmativa.
Estava a levar-me quase ao orgasmo com a sua boca. Aos poucos esquecia-me de tudo o que me tinha levado ali e começava apenas a desfrutar o prazer carnal. Se calhar, bem no fundo de mim, sabia que indo a casa dela isto aconteceria. Talvez por isso tenha aceite o convite.
Ela passou os dedos da mão direita na sua cona molhada, enterrou-os fodendo-se por um bocado, e depois tirou-os e levou-os assim lubrificados ao meu ânus que começou a massajar levemente. Isto fez com que eu ficasse perigosamente próximo do orgasmo. Ela notou e parou.
Respirei fundo, recuperando o controlo, embora continuasse cego pela tesão. Ela puxou-me para cima da cama, fazendo-me ficar de joelhos e virou-se de costas para mim, empinando o rabo.
-Fode-me como eu gosto.
Decidi torturá-la.
Meti apenas a glande na sua vulva e agarrei-a pelas ancas para a controlar. Depois limitei-ma a ondular as minhas fazendo-me entrar e sair apenas um ou dois centímetros. Ela gemia. Eu sabia que ela queria mais. Eu também.
De repente, de uma vez só e num único movimento brusco enterrei-me por inteiro nela.
-FODA-SE! – gritou.
Deixei-me ficar todo dentro dela enquanto sentia a sua cona a sugar-me, literalmente. Depois fui saindo lentamente e voltei ao começo.
-Fode-me. – dizia, enquanto eu a torturava daquela maneira boa que apenas a fazia querer mais – Fode-me, fode-me, fode-me fode-me, fode-me.
-Queres?
-SIM!
-Todo?
-SIM!
-Pede.
-Dá-mo todo. Enterra-o todo. Fode esta coninha, fode…
-Queres-te vir para mim?
-Quero!
-Muito?
-SIM! Dá-mo…
Sem aviso enterrei-o todo novamente. Comecei a fodê-la com força e com violência. Ela não demorou a ter um orgasmo que não parava. Ela enfiou a cara na almofada que tinha à frente para abafar os grito e agarrava com força os lençóis da cama. Sentia as suas contrações e sentia-me a deslizar no seu gozo.
-Para.
-Mesmo?
-Sim, para. Não aguento mais…
Continuei.
-Tens a certeza?
-Tenho.
E fez-me sair dela.
Lançou a mão à mesa de cabeceira, abriu uma gaveta e tirou um frasco de óleo para a pele. Derramou um pouco para a mão e agarrou-me, fazendo a mão deslizar em toda a minha tesão. Voltou a empinar o rabo para mim, pôs mais um pouco de óleo na mão e lubrificou o ânus, massajando-o e metendo um dedo até este escorregar com facilidade. Depois agarrou-me e encostou a glande ao ânus.
-Mete.
-Tens a certeza?
Sempre tive alguma relutância em relação ao sexo anal. Não é que não goste, antes pelo contrário. No entanto tenho a perfeita noção de que as minhas dimensões causam bastante desconforto, e por isso nunca me sinto confortável em fazê-lo ou sequer sugeri-lo. Não gosto de causar dor ou desconforto, muito menos nestas alturas.
-Tenho. Quero.
Fiz um pouco de pressão e senti-me a deslizar para dentro dela, facilitado pelo óleo. Ela mordeu a almofada.
-Estás bem? Queres que eu pare?
-Não pares, mas vai devagar.
Fodi-a bem devagar, com calma, para ela se ir habituando ao meu tamanho, sem pressas. Ainda assim notava o desconforto que lhe causava. Parei.
-Porque é que paraste?
Não lhe respondi. Agarrei-a, fi-la deitar de barriga para cima e dediquei-me a lambê-la toda, cheia do sabor dos seus orgasmos.
-Ai, foda-se, já me tinha esquecido de o quanto lambes tão bem… Chupa-me assim, querido, chupa…
Lambi, chupei, levei-a mais um orgasmo enquanto me deliciava com o sabor dela. Quando ela recuperou pôs-se novamente de gatas na cama.
-Quero vir-me com esse caralho no meu cu. – disse com a voz carregada de tesão.
-Mas eu sei que é desconfortável para ti…
-Cala-te e fode-me.
Desta vez deslizei para dentro dela com mais facilidade e percebi que ela já não estava tão desconfortável. Aos poucos fui aumentando o ritmo enquanto ela ela se tocava. Não demorou muito a ter um novo orgasmo e senti o esfíncter a apertar-me e tive de me controlar para não chegar ali ao orgasmo.
Ela desfaleceu em cima da cama.
Eu sai dela, penetrando-lhe a cona de imediato.
-Vou-me vir todo na tua cona. Queres?
-SIM!
Fodi-a com força, com intensidade.
-Gostas de sentir assim a minha tesão?
-Dá-me tudo, fode-me…
Agarrava-lhe as ancas e puxava-a toda para mim.
-Goza… Sente…
-Fode…
-Vem-te comigo…
-Sim…
-Vem…
Deixei-me invadir pelas sensações enquanto o meu orgasmo chegava galopante junto com mais um delas. Libertei-me todo dentro dela.
Quebrei, por fim. Sai dela e fiquei ajoelhado na cama. E tudo o que sentia antes caiu novamente sobre mim como uma parede, e doeu, e algo subiu por mim que me fez cair num pranto que eu não queria, não à frente dela, pelo menos.
Ela abraçou-me.
-Eu sei, garoto, eu sei… - Dizia com uma voz maternal enquanto me abraçava – Eu sei, está tudo bem.
Demorei alguns minutos a recompor-me.
Por fim, levantei-me, voltei à sala e vesti-me.
Ela foi à casa de banho pôr agua a correr para um banho enquanto eu me vestia.
Despedimo-nos com um beijo suave.
-Desculpa… - Foi a única palavra que encontrei para lhe dizer.
-Vai com calma. Está tudo bem. – Foi a resposta.
Fui com calma para casa a sentir-me ainda pior acerca de tudo.
Não estava nem está tudo bem.

Antes pelo contrário…

Reconstrução


Lembro-me perfeitamente de como a conheci, porque há coisas que são inesquecíveis…

O gajo entra-me pelo estúdio adentro, coisa que eu não estranhei, uma vez que estava à espera dele, com a saudação mais famosa dele, um “Atão, Zé Manel? Tá-se?” e apanha-me em plena sedução com a minha Epiphone Flying V, resquício dos meus tempos de metaleiro e que entretanto já seguiu para outras paragens, enquanto gravava músicas dos Teatrum, não com um objectivo concreto, mas apenas porque, depois de ter desistido delas queria ter uma espécie de arquivo do que tinha feito, levando com a resposta habitual, um “tá-se…” meio jogado fora e que demonstrava a minha concentração noutra coisa que não nele, naquele momento, concentração essa que foi quebrada quando me apercebi que com ele estava mais alguém.
A amiga entrou primeiro e foi-me prontamente apresentada, uma mulher bonita, sem ser espampanante, simples, alta, vestida casualmente, com o cabelo castanho longo, ondulado e os olhos de um azul intenso. Mas atrás vinha ela…
Foi a primeira vez que conheci alguém assim. Não era bela, num sentido de mera beleza estética. Era relativamente alta, apenas ligeiramente mais baixa que eu, um corpo equilibrado, sem ser espectacular, mas de uma elegância rara, graças à postura que ela tinha, um tom de pele morena, cabelo preto, completamente preto, escorrido, pelo ombro e uma franja que tinha caído em desuso desde que a Beatriz Costa deixara de a usar, o que lhe dava um ar muito “anos 20”…
…isto, claro, na altura, antes de as ditas franjas terem voltado a estar na moda, sendo a altura a primeira metade da década de 90 do século passado (sim, eu sei, estou velho, mas na altura não o estava assim tanto), mas depois…
…depois olhei para os olhos dela e tremi. Aqueles olhos castanho-mél transpiravam algo que eu nunca tinha visto e que lhe conferiam uma aura da mais pura sensualidade, e senti-me, pela primeira vez, completamente subjugado pela presença de uma mulher. Se ela me tivesse pedido naquele momento para me deitar no chão e rebolar, não sei se não o teria feito.
Claro que me recompus com alguma facilidade, mas ainda assim a presença dela não deixava de ser perturbadora.
E foi-o, de facto, durante toda aquela tarde enquanto a conversa fluía com uma facilidade surpreendente e enquanto ela se foi revelando aos poucos, mostrando ser muito mais que aquilo que, à partida, já parecia ser…
Houve alguns episódios com ela, já espalhados pelas páginas virtuais deste blog, e que foram marcantes, mas há um ou outro que ainda aqui não constam, mas que me vieram reavivados à memória.
Via o mundo de uma maneira algo diferente, na altura, fruto das muitas circunstâncias passadas até então e que não são de todo relevantes para aquilo de que aqui falo, mas o certo é que procurava, para mim, alguma estabilidade e a capacidade para assentar os pés no chão. Percebi, pouco antes de a ter conhecido, que para saltar alto é preciso ter um ponto de apoio sólido, no chão, e percebi também que durante a minha vida inteira tinha sentido o chão a fugir-me debaixo dos pés…
Ela acabou por me dividir entre uma atracção brutal e a vontade de me manter afastado. Sabia perfeitamente que algo entre nós não teria a mínima hipótese de resultar e não procurava nada de passageiro na minha vida.
Não podia no entanto de deixar de me deslumbrar pela segurança e liberdade que emanavam dela nas coisas mais simples, nos gestos mais insuspeitos. E ela, talvez porque tivesse a noção absoluta de que eu não a bajulava como todos os outros homens que andavam à volta dela, provocava-me…
…descaradamente…
…despudoradamente…
…mas ao mesmo tempo falava comigo de uma forma que também sabia que não podia falar com mais ninguém, expondo-se e deixando que eu conhecesse as inseguranças e os medos daquela mulher poderosa e que não deixava ninguém indiferente.
Ela lidava todos os dias com homens poderosos, fruto do trabalho que tinha, e já lhe tinham prometido a lua. No entanto ela continuava a ser quem era e a dar-se com pelintras meio perdidos como eu.
Quem costuma passar por aqui e me lê há mais tempo, sabe que me sei situar onde devo estar. Nunca fui pessoa para exacerbar as minhas qualidades e tentar esconder os meus defeitos. Sou o que sou e como sou, e a única certeza que tenho é que tenho de viver comigo todos os dias. Não me dou muita importância porque, no fundo, a importância de tudo é relativa e tenho plena consciência de que o universo não existe só para que eu existisse neste momento…
Ando aqui a divagar através destas ideias para tentar contextualizar o que vem a seguir, porque precisa de ser contextualizado para ser percebido, e peço desde já desculpa se causo alguma confusão. Mas a verdade é que naquela altura no tempo eu era alguém com 26 ou 27 anos que tinha passado por uma adolescência problemática e que ainda se sentia revoltado com o mundo, sendo que tudo o que me era realmente importante parecia ser-me tirado, fosse por que meio fosse. Assim sendo, para alem da revolta, havia um sentimento de alheamento, de “desligamento” talvez, em relação a tudo.
Durante a minha adolescência o amor e a paixão eram algo de extremamente difícil de concretizar…
…já o sexo era fácil, tão fácil…
…e até era aparentemente gratificante!
No entanto, uns bons anos antes de a conhecer, a conjunção de tudo o que se passou na minha vida até então tornou-me oco e vazio. E foi nessa altura que o sexo deixou de fazer sentido, até porque a cada pessoa que passava pela minha vida de forma absolutamente casual, apenas me sentia mais vazio.
Sabia que procurava algo, mas não sabia o quê.
Depois acabei por me envolver numa relação que durou uns anos e que acabou muito antes de ter acabado verdadeiramente, em que ela afirmava que eu era um autentico cubo de gelo…
…e com razão.
E eis que eu chegava a esta altura da minha vida, à procura de algo de estável e perdido no meio de incertezas.
Mas, por vezes, meia  dúzia de palavras são o suficiente para abalar o mundo…
…ou, pelo menos, o nosso mundo!
Depois de termos feito uma directa no meu estúdio, entre cegadas e diversão, e enquanto o resto do pessoal dormia, lavava-a até casa, para ir almoçar com o pai, que fazia anos, mas com a promessa de voltar ao estúdio assim que se despachasse do almoço.
Ao contrário do que era habitual em mim, levava o meu BMW 2002 Ti preto lentamente ao longo da estrada, estando ela recostada no banco, ao meu lado, de olhos fechados, fruto da noite passada em claro. Mas eis que de repente ela dispara a pergunta:
-Porque é que não tens ninguém?
-Desculpa?
-Porque é que não estás com ninguém?
…e pela primeira vez em algum tempo tive de parar para pensar. Não havia uma resposta fácil. Talvez numa tentativa de ganhar algum tempo retorqui com outra:
-Mas porquê essa pergunta?
Ela abriu finalmente os olhos, sorriu, e a resposta veio de forma fácil.
-Fazes-me confusão. És um gajo culto, falas bem, consegues falar de quase qualquer assunto, parece que nunca estas deslocado em lado nenhum…
-…mas parece que também nunca estou colocado…
-Verdade! Mas é preciso conhecer-te um bocadinho para perceber isso. Não é algo que seja evidente à partida. E no entanto estas sozinho…
-Se calhar estou à procura da mulher certa…
-Todos andamos à procura da pessoa certa…
-…o que não quer dizer que não nos vamos divertindo com as erradas pelo caminho. Eu sei. Mas já tive uma boa dose de diversão…
-Sim, acredito que sim.
-Obrigado pelos elogios.
-Não eram elogios. Eram constatações. Muitas mulheres davam tudo para que um tipo como tu se lhes atravessasse no caminho…
Fiquei sem saber o que dizer. E, como sempre, quando isso acontece, remeti-me ao silêncio e dediquei a minha atenção de volta à estrada, com a minha mão abandonada distraidamente em cima da alavanca das mudanças.
A mão dela foi pousar-se me cima da minha, os seus dedos entrelaçaram-se nos meus. Não tive coragem para olhar para ela e fingi continuar a dar atenção à estrada. Ela chegou-se a mim, encostou-se, repousou a sua cabeça no meu ombro e respeitou o meu silêncio. Dentro de mim despertava um turbilhão de duvidas e emoções adormecidas.
Chegávamos à entrada de uma povoação, onde havia um semáforo. Vi-o verde na distância e acelerei, na esperança de passar, mas a esperança dissipou-se logo em seguida, obrigando-me a parar.
Conforme o fiz olhei para ela, ela levantou a cabeça, olhou para mim e avançamos vorazmente um para o outro colando, naquele momento, os lábios e os sentimentos num beijo que me fez perder a noção de tudo e acho que apenas voltei à realidade quando os carros atrás de mim começaram a buzinar avisando-me para o facto de o semáforo estar novamente verde…
Quando finalmente estacionei o carro caímos nos braços um do outro.
Não havia ali paixão, nem desejo e ambos o sabíamos, mas estava presente entre nós uma intensidade difícil de explicar. Um carinho que, neste momento, se traduzia desta maneira, transbordando de todos os momentos que passáramos nas ultimas semanas.
Foi com algum custo que nos separamos, ela para o almoço prometido e eu para comprar as iguarias para fazer o meu e o do resto do pessoal que ainda estava no estúdio.
Fiquei parado a vê-la seguir até virar a esquina. Detestei vê-la partir…
…mas estava a adorar vê-la a ir!
Quando virou a esquina, mesmo antes de desaparecer, olhou para mim, mostrando nitidamente que sabia que eu a estava a observar, sorriu e piscou-me o olho. Eu também sorri. Talvez uma promessa para mais tarde?
Enquanto fazia as compras, pensava no que tinha acontecido. No fundo, tínhamo-nos deixado envolver num momento, mas não havia mais nada entre nós. Não havia pontos de contacto. Aquele momento não passava de uma cortina de fumo que se dissipava à medida que subia pelo ar. No entanto, era como fumo de incenso, que mesmo quando não se via deixava um aroma doce no ar, envolvente.
E foi este dia, estes momentos, que fizeram com que me começasse a recontruir…