Entraram no bar as duas e pareceu que tinha havido uma pequena pausa.
Deixem-me falar um pouco delas.
A loura entrou à frente. O cabelo, brilhante, cuidado, levemente ondulado, caia-lhe em cascata até um pouco abaixo do meio das costas e emoldurava o rosto de um anjo, pele branca e imaculada, lábios muito bem delineados e uns olhos azuis límpidos, rosto desenhado por um qualquer pintor renascentista.
Vestida para a noite, sensual, botas de salto um pouco abaixo do joelho, calças justas, coladas a um corpo com todas as medidas certas, uma camisa que lhe assentava larga e meio esvoaçante e que deixava tudo à imaginação e que tomava forma quando chegava ao peito com as proporções exactas…
Toda a gente se virou para ela conforme entrou e teve o título de rainha do bar. Pelo menos durante uns dez segundos porque depois passou a ser uma gaja exactamente igual às outras todas. É que atrás dela, vinha a amiga.
Se me pedissem uma definição de luxúria e sensualidade, apontava para ela e a resposta estaria dada.
O corpo!
Uma pernas que pareciam não acabar, metidas numas boas de salto alto de cabedal preto, justo à pele, desenhando-lhe o contorno da perna até um pouco acima do joelho, partindo dai umas meias de rede que paravam abruptamente, com grande pena de todos os que a observavam, uns centímetros mais acima onde começava um vestido preto completamente colado ao corpo, elástico, que não só lhe realçava as proporções divinais como acompanhava a fluidez do seu movimento, e que subia até acabar num generoso decote que lhe cobria os seios livres cujos mamilos ameaçavam furar o tecido leve, deixando a partir dai ver a pele contrastantemente bronzeada por um qualquer sol exótico, dando-lhe uma compleição morena que fazia com que os olhos azuis, intensos, límpidos, faiscantes fluorescentes ficassem realçados no meio daquele rosto que era lindo, um rosto de mulher, um rosto que embora suave estava longe de ser angelical, tinha antes algo tentador, convidava à perdição, ainda para mais emoldurado como estava pelo cabelo longo, escorrido, brilhante, ruivo claro, louro escuro, não consigo precisar, mas que parecia fogo liquido enquanto ela andava.
Todas as mulheres que estavam no bar, incluindo a amiga, deixaram de existir e tiveram plena consciência disso.
Deixem-me desde já esclarecer uma coisa; eu, embora seja um empedernido exemplar heterossexual masculino, não tenho o hábito de olhar para uma mulher e babar. Mas adoro apreciar a forma, da mesma maneira que gosto de contemplar uma obra de arte, uma pintura ou escultura que me prendam os sentidos e me fascinem com a forma. A forma feminina, pela beleza, suavidade e fluidez, merecem a minha contemplação enquanto definição de beleza…
…tal como, por exemplo, o quadro da Mona Lisa, de Da Vinci. E nunca me passou pela cabeça fazer sexo com o quadro.
Isto não faz com que a mulher seja vista por mim como um objecto. De forma alguma. Mas é vista como um poema em movimento.
Mas a história não começa aqui!
Para contar esta história tenho que ir mais atrás.
Uns meses antes o meu telefone tocara inesperadamente, como era seu costume, aliás, e eu, como era habito meu quando semelhante coisa acontecia, atendi.
-Eu queria falar com o Ulisses, por favor… - disse uma voz feminina do outro lado.
-É o próprio!
-Olá. Não me conheces, mas eu sou a R., e sou irmão da P.
A P. era uma moça que eu conhecia há já algum tempo. Já tinha visto a R. de relance, mas nunca tínhamos falado. Fiquei surpreendido de ela me estar a ligar, mas não comentei. Ela continuou.
-Olha, eu sei que é esquisito estar a ligar-te assim, mas precisava de um favor…
-É sexo? – Perguntei eu aparentando uma seriedade absoluta.
Do outro lado ficou um silêncio embaraçoso, embaraçado, uma longa pausa de alguém que não sabia o que dizer. Finalmente respondeu.
-Não…!!!
-Ainda bem, porque se fosse eu não estava disponível.
Soltou uma gargalhada sonora quando percebeu que apenas brincava com ela. Eu perguntei:
-De que é que precisas então?
-É assim. Estive a falar com o M. porque precisava de gravar um CD com umas coisas para a faculdade, mas ele não pode e disse-me que talvez tu pudesses…
Para esclarecer digo desde já que isto se passou há tanto tempo que os gravadores de CD eram algo extraordinariamente raro, mais ainda do que os Tigres de Bengala, mais do que o Lince da serra da Malcata, e tão estupidamente caros que custavam o dobro do preço do computador onde eram encaixados que não era, já de si, muito barato.
-Claro, sabes onde é que eu moro?
Lá lhe dei as indicações e meia hora depois ela chegava a minha casa. Era uma miúda gira, muito gira. Não era o protótipo da gaja boa, embora fosse bem torneada, mas aquilo que chamava mesmo a atenção nela eram os olhos vivos e inteligentes e o sorriso fácil. E depois, falar com ela era um gosto. Fazia um uso peculiar de um sentido de humor carregado de ironia.
Ficamos amigos nesse dia, mesmo amigos. Descobrimos alguém com quem falar francamente, e não fora eu andar perdido em elevadores na altura em que a conheci, creio que não a teria deixado escapar. Apreciava mesmo a sua companhia, e acho que ela apreciava a minha.
Começamos a sair juntos algumas vezes, em noites em que eu não estava ocupado, e íamos a um bar ou outro ver música ao vivo e ganhávamos horas de conversa.
Foi precisamente numa dessas saídas, já uns meses depois de eu deixar de andar perdido em elevadores, numa noite em que tinha recebido uma chamada de um dos elementos da banda que estava a tocar a perguntar que eu queria ir ver o concerto de lançamento do álbum deles e a tinha convidado, que vi pela primeira vez aquelas duas amigas.
Estávamos os dois em amena cavaqueira quando eu me virei para ela e perguntei:
-Desculpa lá, mas vocês, as mulheres, são umas verdadeiras cabras umas para as outras, não são?
-Porque é que perguntas isso?
-Pá, se eu estivesse aqui sentado, sozinho, ninguém me ligava patavina, mas como estou aqui contigo e tu até estas arranjadita e até pareces girinha, já houve umas quantas a olhar para mim e a pensar “hummm!”…
-Pá, estúpido… Mas estou gira hoje não estou?
-Pá, eu comia-te na boa…
-Obrigada. Vindo de ti é um elogio.
E foi nesta altura que elas entraram e ela vê a ruiva e volta-se para mim com um ar completamente aparvalhado e diz:
-Pois olha que eu não gosto de mulheres, mas comia aquela ruiva!
O que me levou a olhar e a ficar parado a pensar se olhava para uma bússola de forma a poder ajoelhar-me no chão virado para meca e agradecia a Ala, embora não seja muçulmano, se dava a existência dela como prova concreta de que Deus existia a uma qualquer sociedade científica, ou se, pela súbita e invulgar tesão que senti, a admitia como encarnação de uma qualquer criatura infernal que teria vindo apenas para puxar mais umas quantas almas para o inferno…
Com a dúvida sobre as várias hipóteses era imensa, optei pelo mais sensato e fiquei quieto, parado e calado, preso a cada movimento daquela criatura…
…o que me leva, finalmente à história…
O que mais me fascina num grupo de pessoas são as interacções, e, quando estamos atentos, há sempre algo que sobressai.
Uma mulher como aquela ruiva, no meio de um bar, roubando todas as atenções para si e ofuscando todas as outras presenças femininas, tem um efeito estranho.
Após o embate inicial em que todas as mulheres se sentem chutadas para canto, a verdade é que a competitividade acaba por emergir e de repente todas querem ser melhores que ela, e, para isso, acabam por vezes por tomar opções que não tomariam e de que se arrependem mais tarde e por consumir mais álcool do que o que seria normal, na esperança de se tornarem mais afoitas e de libertarem a “sex symbol” que vive no interior de cada uma delas.
É minha firme opinião que deveria ser obrigatório por lei que cada bar tivesse em cada noite em que está aberto uma mulher assim. E porquê?
A mera presença dela aumentava astronomicamente as hipóteses de qualquer homem que ali estava sozinho de sair acompanhado, e dos que estavam acompanhados de chegar a porto seguro nessa noite. De repente todas as mulheres do bar queriam ser sensuais e glamourosas, numa tentativa de prender as atenções que estavam concentradas apenas naquela fêmea…
…e que fêmea.
Mas a minha história não continua aqui, neste bar, nesta noite, embora tenha sido a noite em que a observei, curioso, bem como à criatura angelical e desprezada que a acompanhava. E apesar do primeiro impacto me ter deixado deslumbrado, o facto de estar ali com uma excelente companhia e de não estar à procura de nada, fez com que passado pouco tempo a presença dela se começasse a desvanecer do meu espírito. Não que não olhasse para ela. Era impossível não o fazer. Mas não olhava com qualquer intenção de me aproximar ou com qualquer outra intenção que não fosse observar a rara beleza estética e harmonia de movimentos que ela tinha.
A minha história continua uma semana depois.
Fui sozinho para o Jardim do Tabaco para ver a banda de bares desses mesmos meus amigos. Cheguei cedo, como era meu costume. Muitas vezes chegava quando a banda ainda estava a fazer o ensaio de som, ajudava, e saia com eles para ir jantar e estarmos “na bacorada”.
Dessa vez, no entanto, quando cheguei não estava ninguém, pelo que, estando o bar praticamente vazio, escolhi uma mesa mais ou menos recatada que me desse uma boa visão do palco e do resto do bar. Estranhei a disposição das mesas, sendo que em frente ao palco havia uma correnteza delas com um cartão de “reservado”, mas não liguei muito.
Pedi uma bebida e deixei-me ficar apreciando o espaço, decorado com muito bom gosto, na companhia dos poucos que por ali estavam, e perdendo-me nos meus pensamentos.
O bar foi enchendo sem que eu desse por isso, de tão perdido que estava, até ao momento em que chegaram os meus amigos, as estrelas da festa. Entraram, viram-me e vieram direitos a mim.
-Olha o que anda por aqui hoje… Não me digas que atravessaste a ponte só para nos vir ver…
-É verdade, pá. Estava aborrecido e resolvi sair para ouvir barulho…
-Sim, que se estas na esperança de ouvir alguma coisa parecida com musica hoje, ouvi dizer que os “não-sei-quantos” estão a tocar em Santa Iria. – Brincou um deles.
-Não, vim mesmo só para ouvir barulho, por isso acho que estou no sítio certo.
-Mas estás sozinho ou ela foi retocar a maquilhagem?
-Não, estou sozinho, mesmo.
-Pá então não ficas ai.
-Então?
-Vens para ali para a frente, para a mesa VIP. É que hoje temos ai o pessoal da editora e mais uns quantos gajos, e por isso é que aquelas mesas estão ali. Sentas-te lá. Sempre ficas com o barulho mais próximo.
Aceitei a sugestão. A mesa, aliás o conjunto de mesas era comprido pelo que me sentei numa das pontas que ainda estava vazia sendo que a outra tinha já algumas pessoas que eu não conhecia e deixei-me estar.
Rapidamente foi chegando mais gente e a mesa foi sendo preenchida. E qual não foi o meu espanto quando percebi que estava à mesma mesa com o Joaquim de Almeida, que fumava o seu charuto e bebia um whisky, dois ou três jogadores do Futebol Clube do Porto que estavam ali porque tinham tido jogo com o Benfica nessa tarde, e com mais algumas pessoas que aparentemente eram conhecidas de toda a gente, embora eu não fizesse ideia de quem fossem. Nunca liguei muito ao “Jet Set”…
Mas foi então que elas chegaram, para meu espanto, causando o impacto que eu já tinha visto na semana anterior e se sentaram na mesma mesa que eu a muito pouca distância…
Tenho de o afirmar:
A verdade é que a própria proximidade daquela mulher me incomodava, ao ponto de eu quase não conseguir olhar para ela.
Ela sentia o poder que tinha e divertia-se com isso, deleitava-se, alimentava-se disso.
O concerto foi decorrendo, o som alto demais para me aperceber de conversas que pudesse haver entre elas e as outras pessoas que estavam ao pé de mim e que as conheciam. O meu incómodo e fascínio por ela não desvaneciam. Até que…
Houve uma altura em que os nossos olhares se cruzaram e ficaram. E foi ai que eu percebi. E o fascínio, de repente, desvaneceu-se. Ela não era, afinal, nenhum avatar, nenhuma deusa encarnada. Era uma casca, uma aparência, alguém que tinha investido tanto no que parecia que descurar tudo o resto. Para lá da aparência, do aspecto, do charme, havia algo que falhava, embora, se me perguntassem, eu não conseguisse dizer o quê.
Mas, fosse o que fosse, tinha-se quebrado o encanto e, aos meus olhos ela saiu do pedestal e passou a ser apenas mais uma mulher no meio de tantas outras que por ali havia. E o engraçado é que ela notou essa mudança em mim e reparei o quanto, subtilmente, isso lhe abalou a confiança. E daquele momento em diante deixei de me sentir incomodado pela presença dela, deixei de não conseguir tirar os olhos dela, e voltei a ser eu próprio, sem fascínios nem deslumbramentos.
A amiga, o anjo louro que a acompanhava, notou também qualquer coisa de diferente após o nosso cruzar de olhares e pareceu intrigada.
A noite continuou, comigo a ir travando conhecimento com as pessoas mais próximas, no que fui ajudado pelo intervalo no concerto em que os artistas desceram do palco e, enquanto o vocalista e o baixista foram ter com pessoas do outro lado da mesa, o resto veio para o pé de mim. Uma vez que não havia lugares sentados para todos, levantei-me e ficamos ali, na conversa, com piadas de músico que mais ninguém entende, e às vezes nem os próprios músicos, num momento de pura descompressão, para eles, e descontracção para mim.
Quando eles voltaram para o palco, ao sentar-me, olhei para os olhos do anjo, e ai sim, descobri algo de raro e precioso. A personalidade doce passava num olhar límpido, e no entanto, bem lá no fundo, por baixo daqueles lagos azuis queimava um fogo que lutava por se libertar. Tinha algo de intangível e que, suspeitava eu, se mantinha contido pela contínua presença da amiga. Ela, embora fosse lindíssima, sentia-se sempre o patinho feio. Mas hoje não era. Para mim não era. E ela percebeu. E sorriu. E eu também…
Mal suou o ultimo acorde do concerto a música de dança invadiu o espaço tornando aquilo que parecia um bar de rock numa autentica discoteca. A mutação do ambiente fez com que este deixasse de combinar com a minha personalidade, e deixou-me algo desconfortável. Ainda assim, deixei-me ficar porque tinha já oferecido a minha ajuda para arrumar o palco e carregar o material da banda para a carrinha.
Enquanto eles ainda descontraiam falando com os amigos e conhecidos após o concerto, eu subi ao palco e fui-me entretendo a enrolar cabos, escudado pelos amplificadores dos instrumentos. Dali tinha uma panorâmica sobre tudo o que se passava no bar.
O espaço que estava para além das mesas tinha-se transformado rapidamente numa pista de dança. Lá, a ruiva era a rainha indisputada de todas as atenções…
…excepto da minha.
Ao lado dela o anjo loiro dançava de forma mais contida e menos exuberante. Repararam ambas que eu as observava. A ruiva, talvez porque tivesse notado que há pouco tinha deixado de lhe dar importância, quis acentuar o meu interesse insinuando-se, olhando directamente para mim como que dizendo “sei que me estas a ver” e dançando de uma forma que estava a fazer crescer a água na boca de quase todos os homens ali presente…
…e de algumas mulheres também.
A loura reparou também que eu olhava, mas, vendo a reacção da amiga, acanhava-se. Creio no entanto que foi percebendo que o meu olhar repousava mais sobre ela do que sobre a amiga.
Fui pagar a minha despesa e sai com a banda pela porta lateral enquanto os ajudava a carregar o material para a carrinha que os levaria de volta a casa. Estava a carrinha já carregada quando elas saíram e se dirigiram a nós. Conheciam os elementos da banda e deram-lhes os parabéns pelo concerto, falaram riram…
Se por um lado me apetecia entrar na conversa, por outro lado a minha vontade de chegar à loura podia levar a interpretações da parte dela e da ruiva que eu não queria. Assim sendo, fui fumando o meu cigarro com calma enquanto observava o desenrolar da conversa.
Mas, costuma-se dizer que tudo o que tem de ser tem mesmo de ser e não há volta a dar. E não houve.
Aquando das despedidas a ruiva volta-se para o pessoal da banda e pergunta:
-Vocês por acaso não podiam dar boleia à Ana?
E eis que soube o nome do anjo.
-Não, pá, temos a carrinha completamente atulhada…
-É pena. Se pudessem sempre evitava ir e voltar à margem sul…
E eu falei finalmente e dirigi-me directamente à Ana.
-Pá, eu vou para a margem sul. Se quiseres vir comigo…
-Não quero dar trabalho…
-Não dás, de maneira nenhuma. Até aproveito a companhia. Ia sozinho, de qualquer maneira…
Ela, relutantemente, acabou por aceitar, e, após as despedidas, levei-a até ao meu carro, onde não tive qualquer gesto de cavalheirismo em relação a ela.
Ela entrou, apertamos os cintos de segurança, arranquei o motor do carro para ir aquecendo um pouco, coloquei uma música suave, porque já bastava o assalto sonoro a que nos tínhamos submetido durante toda a noite, e arrancamos.
Seguimos em silêncio até ao tabuleiro da ponte. Foi ela quem o quebrou.
-Podes perguntar…
-O quê?
-Aquilo que queres perguntar…
-Vais ter que me esclarecer, porque eu perdi-me!
-Aposto que estás curioso acerca da Júlia.
-A tua amiga?
-Sim.
-Não, não estou. Era suposto estar?
-Normalmente toda a gente está. Porque é que tu havias de ser uma excepção?
-Não sei se sou ou não, mas de facto não estou.
-Porquê?
-Porque é que não estou?
-Sim!
-Porque acho que já sei tudo dela que me interessaria saber. Não te vou dizer que ela não causou impacto, quando a vi. É de uma beleza arrebatadora. Mas, infelizmente, não há nada para além disso.
Ela fitou-me surpreendida.
-Achas mesmo isso?
-Acho. Acho inclusivamente que tu és bem mais interessante que ela…
Ela corou, mas olhou para mim desconfiada. Percebia-a perfeitamente. Quantos não teriam sido já os tipos que tinham dado em cima dela, não por ela, mas pela amiga?
-Porquê?
Olhei para ela com o sobrolho levantado.
-Sabes, podes estar habituada a estar em segundo plano, e se calhar até gostas disso. Chateiam-te menos. Mas a verdade é que és uma mulher extremamente bonita e há algo em ti… Nem te sei dizer bem o que é, mas é extremamente apelativo.
Ela corou ainda mais e calou-se.
Parei nas bombas de gasolina, quase logo a seguir, para ir comprar tabaco.
-Queres ir beber um café? – Perguntei-lhe – Estou a precisar de um.
-Não, obrigada.
-E fazes companhia?
-Faço, isso faço.
Entramos, eu comprei o tabaco e bebi o café, voltamos ao carro.
O nosso olhar cruzou-se quando abríamos as portas.
Entramos.
Sentamo-nos.
Passei-lhe o braço por detrás, puxei-a para mim sem esforço, uma vez que ela se entregou e os nossos lábios colaram-se enquanto as nossas línguas iniciaram um bailado angelical…
…e quando finalmente quebramos o beijo ficamos olhos nos olhos, completamente afogueados e assoberbados a olhar um para o outro sem saber como reagir.
Fui eu o primeiro a falar.
-Se calhar é melhor sairmos daqui, não?
Ela sorriu.
-É melhor…
Arranquei e sai da estação de serviço e entrei novamente na auto-estrada. Os olhos dela refugiam ao meu lado, o seu sorriso por demais lindo…
-Leva-me a um sítio bonito!
Eu sorri. Dei-lhe a mão.
E, por uma vez, fui um mocinho bem mandado…
---
Parei o carro, puxei o travão de mão, desliguei o motor e com isso matei as luzes e a música de uma assentada. Olhei para ela, olhos nos olhos, com um sorriso.
-Sai. – Pedi-lhe, enquanto abria a minha porta.
Saímos os dois e ela esbugalhou os olhos.
-Lindo! – Exclamou com um sorriso suave.
Estávamos parados exactamente a meio da única pequena recta que corre ao longo da crista da Serra da Arrábida, submergidos na mais completa escuridão pontilhada na distância por um céu carregado das estrelas que desaparecem sob a luz das cidades, e vendo todas as pequenas luzes ordenadas no chão em linhas que se entrecruzam e criam luzes maiores na distância, com todas as suas cores, brilhos, intensidades, uma manta de retalhos que de estende a norte até onde a vista consegue alcançar através do vale do Tejo, e a sul pelo Sado, as luzes de Tróia e o mar mais adiante. O som era apenas o daquele ambiente semi-selvagem.
-É bonito o suficiente?
-Nunca pensei que isto existisse. Claro que gostava da serra, mas este sítio… É como estar no topo do mundo.
-Neste momento estás no topo do meu mundo.
Ela olhou para mim com uma candura que me tirou, literalmente, o fôlego.
Cheguei-me a ela, puxei-a para mim pela cintura, envolvi-a e beijei-a com vontade, e senti-me puxado por ela, atraído, envolvido, rendido, subjugado. Era um beijo voraz mas calmo, intenso mas lento, tentador, solto mas chegado.
Não sei quanto tempo tivemos ali, perdidos naquele beijo, tapados por um manto de estrelas. Depois, acabámos por voltar ao carro e ficamos um pouco em silêncio a apreciar a paisagem através da janela. Mas o apelo por ela era grande, e os beijos voltaram e começaram as caricias, mãos percorrendo o cabelo, afagando o pescoço, e depois tornando-se mais afoitas e começando a explorar o corpo, aos poucos, meio a medo, testando para sentir a reacção…
…o passar ao mão por sobre o peito, sentir a aceitação…
…o começar a desembaraçar da roupa, devagar, sempre à espera da altura de parar…
…e a fazer uma prece silenciosa para não ter de o fazer…
…sentir a pele, o arrepio do primeiro toque…
…admirá-la desnuda, soberba, linda…
…olhar o rosto desenhado e ver o fogo a crescer nos olhos enquanto se sente esse fogo a acender num mamilo entumecido que se ergue respondendo ao toque e querendo mais…
…sentir a roupa como algo de supérfluo, e abandonarmo-nos à nudez, revelando-nos um ao outro…
…sentir o seu primeiro toque, meio a medo, nervoso de excitação em mim…
…tocá-la e senti-la, suave, quente, muito quente, sentir a vontade dela…
…parar como que a perguntar “Queres mesmo isto?”, procurar a certeza da certeza que nos falta…
…ter a certeza num sorriso doce de resposta, numa afirmação, numa vontade escrita a fogo no olhar…
…confirmar essa vontade num beijo apaixonado…
…mergulhar um no outro e sentir…
…êxtase?!?
Fazer amor de uma forma tão lenta, o habituar dos corpos, devagar a fundirem-se…
…o não querer que aquilo que se sente cá dentro nunca mais acabe, que nunca parta de nós…
… a inevitabilidade do fim que se tenta atrasar até ao limite, tanto que quando, não mais se consegue conter o corpo, se tenta atrasar o tempo…
…perceber o que é a eternidade…
…perceber o que é a unicidade…
…fazermos sentido!
E depois?
Depois é o prolongar da sensação nas caricias sentidas, nos beijos que não se consegue evitar.
Foi este o dia em que percebi o que é ser tocado por um anjo!
Não mais voltei a estar só…
8 comentários:
Por vezes...sentimos...o que é o doce toque de um anjo em nós..!! Gostei muito...
Eu Sou Eu,
O teu nick é o titulo de uma das minhas musicas preferidas - "I am I" primeira faixa do album Promised Land, dos Queensryche...
...mas isto não tem nada a ver! LOL
Apenas queria expressar a minha gratidão:
Muito, muito obrigado
:)
Obrigado eu pela leitura...continua a escrever que a qualidade abunda... E não conhecia a música...e confesso que foge um pouco do meu gosto... mas ainda bem que te fez lembrar..!!!
Palavras para quê... este homem escreve como NINGUÉM!
Aquele abraço
Contigo é difícil ser parcimonioso… mereces de novo:
Sublime!
Abraço,
FATifer
Eu sou Eu,
Obrigado.
Apenas o nome me fez lembrar o tema, que por acaso até é um bocado para o tenebroso...
...mas tem a ver com o album, que é um conceptual!
:)
Vintense,
Caramba, rapaz. Tb não é bem assim! LOL
...escrevo umas coisitas...
:)
FATifer,
Pá, qualquer dia até começo a achar que sou escritor, se os elogios continuam assim...
LOL
Abraço
:)
Enviar um comentário