...que
me deixam agradavelmente surpreendido. Uma delas é esta que transcrevo a seguir.
A passagem é de um livro de Poul Anderson,
curiosamente chamado "O Avatar". Não tem absolutamente nada a ver com o filme do
mesmo nome, com a excepção de que o argumento do filme é uma cópia descarada de
um conto do mesmo autor, embora hajam diferenças fundamentais, como por exemplo
o facto de a acção do filme se passar num planeta distante chamado Pandora (e
quando pandora abriu a sua caixa...), e o conto se passar em Júpiter.
A história do livro é extraordinariamente boa, tanto
que nos deixamos envolver pelos personagens e esquecemos que estamos a ler
ficção cientifica. Mais, faz pensar no que é a vida, no que é o divino, e
quanto, por vezes, enchemos a cabeça de conceitos errados.
Mas o livro começa desta maneira:
"Eu
era uma bétula, esbelta na minha brancura no meio de um prado, mas não tinha
nome para aquilo que eu era. As minhas folhas bebiam energia da luz do Sol, que
perpassava através delas e lhes fixava o verde resplandecente. As minhas folhas
dançavam ao vento, que tirava melodias dos meus ramos como se eles fossem uma
harpa. Mas eu não via nem ouvia. Os dias, já a encurtar, deram-me um tom de
mel-queimado; a geada acabou por me desfolhar, deixando-me nua; a neve
estendeu-se em torno de mim durante a minha longa sonolência. Depois Orion
perseguiu a sua presa para além deste firmamento e o Sol dirigiu-se para o Norte
para brilhar sobre mim e me despertar. Mas de nada disto eu tinha
percepção.
E no
entanto eu tudo registava, porque vivia. Cada célula dentro de mim sentia de
maneira secreta como o céu reluzia primeiro em todo o seu esplendor e depois
mergulhava na quietude, como o ar soprava em vendaval ou uivava ou me acariciava
num sonho, como a chuva caía fria a tamborilar, como a água e os vermes abriam
caminho até às minhas raízes penetrantes, como as avezitas pipilavam no ninho
onde eu lhes dava abrigo e tremiam, como a erva e o dente-de-leão me envolviam
num amplexo, e como o húmus reverdecia enquanto a Terra avançava na sua rota por
entre as estrelas. Cada novo ano que findava deixava gravado um anel no meu
corpo, a lembrar a sua passagem. Embora não tivesse consciência disso, eu estava
ainda em Criação e fazia parte dessa Criação. Embora não compreendesse, eu
sabia. Era Árvore."
2 comentários:
Por acaso esta semana,enquanto pesquisava aqui umas coisas,fui parar a este livro.Não o li ainda,mas confesso que fiquei curiosa com alguns excertos.
Gostei
Beijos
Missmary
Miss Mary,
O livro, que se não estou em erro ganhou um prémio Nebula, (ou terá sido um Hugo?) é absolutamente excepcional, sendo todo ele uma alegoria da procura do divino, e uma reflexão acerca de conceitos morais...
Acho que vale a pena leres :)
:)
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