-És tão boa… - disse o pintas, de óculos escuros, com o
cigarro ao canto da boca e pinta de malandro.
-Eu sei. E…? – respondeu ela de uma forma tão segura que
desarmou completamente o moço.
Ele quase se escangalhou a rir quando ouviu isto, do outro
lado da paragem, mas manteve a compostura, o mais que pode, deixando escapar um
sorriso irónico, olhando apenas meio de lado e com a sobrancelha levantada para
o tipo, que entretanto ficara calado e mudo, sem qualquer espécie de reacção.
Deu mais uma passa longa no cigarro, e voltou de novo a sua
atenção para o livro que estava a ler, embrenhando-se na leitura, mas não
perdendo o sorriso.
O autocarro chegou, ele colocou o marcador e fechou o livro,
só então olhando para ela, com um sorriso matreiro.
Ela fingiu que não viu.
Acabaram os dois sentados frente a frente nos bancos.
Ele manteve o livro fechado, ela fingia não lhe dar atenção.
Ele sorria, com o canto do lábio, e com o sobrolho meio levantado, como quem
diz inequivocamente “sei que estas a fazer um esforço consciente para não me
ligar, portanto basta-me esperar…”, ela sentiu-se levemente incomodada com a
atenção dele.
Ele esperou, ela acabou por lhe dar atenção.
Ele falou.
-Teve sorte…
-Tive? – Respondeu ela admirada – Porquê?
-Porque se a resposta que deu fosse para mim, a conversa não
teria ficado por ali…
-Não?
-Não.
Ela fingiu não estar interessada, ele olhou pelo vidro, para
as ruas lá fora.
Ela continuou a fingir, ele abriu o livro e dispôs-se a
continuar a ler.
Ela sentiu a curiosidade típica das mulheres, sentiu o
sangue a ferver, sabia que ela a estava a espicaçar e resolveu não ceder e ele
fingiu que não a estava a espicaçar, que se ela não queria saber, por ele, tudo
bem, e continuou a ler.
Ela ficou irritada por ele não insistir, ele ficou divertido
por ela estar irritada.
A curiosidade falou mais alto e ela acabou por perguntar,
mesmo não o querendo fazer.
-E o que é que dirias em resposta?
-Que, a ser assim, deves passar muito tempo em frente ao
espelho…
Ela ficou levemente corada e ele com um ar extremamente
divertido.
Ela percebeu que lhe tinha dado a desculpa perfeita para lhe
mandar um piropo.
-Mas claro que a conversa entre nós nunca chegaria a este
ponto. – Continuou ele.
-Não?
-Claro que não. Nunca te abordaria de uma forma tão
deselegante.
Ela ficou a olhar para ele com um ar intrigado.
-Então como é que o farias?
Ele olhou bem nos olhos castanhos e meio rasgados dela,
vendo-a. Só depois respondeu.
-Bem, se calhar esperava que um tipo qualquer se fizesse a
ti de uma forma completamente ridícula e sem ponta por onde se lhe pegasse,
metia-me contigo de forma a deixar-te curiosa, mandava-te uma boca foleira a
teu próprio pedido, para te exemplificar que a conversa podia não ter ficado
por ali, se bem que, apesar de foleira, seria subtil o suficiente, esperava um
pouco para ver a tua reacção e depois dizia-te que nunca te mandaria aquela
boca porque a minha abordagem a ti seria diferente da do tipo original,
portanto a resposta nunca chegaria a acontecer.
Ela ficou atónita a olhar para ele que continuava com o
olhar fixo nos seus olhos sem ceder um milímetro de espaço.
-Achas que seria uma alternativa bem sucedida? – Perguntou
ele com um sorriso.
Ela ficou em silêncio, não porque não sabia a resposta, mas
porque não a queria pronunciar.
Ele desprendeu o olhar dela do seu, finalmente, e voltou a
olhar pelo vidro.
-Claro que isto envolveria um certo esforço da minha parte,
e eu não sou um tipo esforçado. Além disso também acho que sejas afirmativa de
mais para estar com todos estes jogos de subtileza. Se calhar até te sentirias
um pouco desconfortável.
Fez uma pausa como que para arrumar os pensamentos, ou
talvez apenas para espicaçá-la ainda mais.
-Por isso, acho que, ainda assim, existiriam alternativas
mais viáveis…
Ele estava a ser acutilante. E estava a enervá-la. E ele
sabia.
-Achas que sim?
-Tenho a certeza absoluta.
-Absoluta mesmo?
-Mesmo!
-E quais seriam?
-Bem, para te ser franco há uma que me ocorre e que se
sobrepõe a todas as outras…
-E que é?
Ele olhou-a novamente nos olhos, profundamente, fazendo com
que o resto do autocarro que a rodeava desaparecesse e ficassem apenas os dois
ali, um defronte ao outro, e, com a maior calma do mundo, limitou-se a
perguntar:
-Vamos?
O sangue dela gelou com a pergunta que não esperava, de
maneira nenhuma. Ficou completamente sem reacção. Ele levantou-se, estendeu-lhe
a mão, que ela agarrou sem qualquer resistência, e ele levou-a até à porta de
saída do autocarro. Agarrou uma das pegas suspensas dos varões altos para
manter o equilíbrio e agarrou-a pela cintura, puxando-a para si, e de forma
determinada inclinou-se para ela, que não fugiu, e tomou-lhe os lábios de forma
suave, mas num convite explícito para mais…
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