Enquanto me dirijo para o sítio pré-definido, reparo em duas mulheres jovens, na casa dos vinte e poucos que falam sentadas num banco lateral. Não ouço de que falam, e para ser sincero nem me interessa, mas algo me chama a atenção nelas. Há uma atenção genuína, mais do que ao que a outra diz, à outra em si.
Chego ao tal sitio e fico ali, à espera da composição, de costas para elas e os meus pensamentos passam a ser absorvidos pela observação dos outros que esperam apanhar o metro na direcção oposta e, ocasionalmente, nos placares publicitários.
O metros chega, há uma pequena confusão causada pelos apressados do costume que teimam entrar antes dos que lá estão dentro saírem, não conseguindo perceber um conceito tão simples…
Entramos, eu fico de pé, encostado à porta oposta à que usei para entrar, e elas sentam-se num banco e continuam a conversar. Durante a conversa olham-se cada vez mais profundamente, completamente alheias ao que as rodeia, há pequenos toques, mas a conversa não para.
Chegamos ao fim da linha, no cais do sodre. Saio à frente delas e sigo o meu caminho, com calma, enrolando o cigarro de fim-de-trabalho-tenho-de-esperar-meia-hora-pelo-barco que espero acender assim que sair da gare de comboios e começar a atravessar a rua até ao cais fluvial. Assim faço, atravesso a rua e fico encostado à parede do outro lado, adiando a minha entrada enquanto desfruto do fumo qual pequena e subtil massagem à alma.
Elas atravessam a rua mas ficam a uns trinta metros, junto à estrada e param. Começa claramente uma despedida. Uma viria para o cais e a outra seguiria para o largo onde se apanhas as camionetas de carreira.
Acabam por dar dois beijos e afastam-se um pouco, mas ficam presas no olhar uma da outra e prolongam a conversa, como se houvesse algo que as impedisse de afastarem, como um elástico invisível que as puxa novamente uma para a outra. Continuam a conversa já bem próximas e falam assim, mais uns minutos.
Despedem-se novamente. Desta vez há um abraço, com uns beijos no rosto e separam-se novamente, mas não se conseguem afastar e voltam a mergulhar num abraço apertado, com os rostos encaixados nos ombros uma da outra, ficam assim uns instantes, levantam as cabeças, olham-se nos olhos e dão um beijo rápido, pleno de intensidade e desejo, separam os lábios, olham-se com um ar sério, absolutamente apaixonado, colam os lábios novamente com a urgência da sensação face a uma separação brevemente anunciada.
O beijo dura apenas uns segundos e quase ninguém que por ali passa repara, e os poucos que o fazem olham com algum desdém.
Elas separam o abraço, mas ficam de mãos dadas, trocam mais umas palavras e arrancam de mão dada em direcção à lateral do edifício onde há um intervalo até ao armazém próximo e uma passagem que leva à beira rio, por certo em busca de uma privacidade maior que lhes permita que aquele beijo possa ser tudo o que desejam. Só então reparam em mim, olhando-me curiosas. Eu olho-as com um sorriso suave e faço um breve aceno com a cabeça…
…talvez elas tenham percebido que não as olhava com lascividade, mas sim admirando a paixão que havia entre ambas, intensa e rara de encontrar. Talvez não tenham…
…não me importa realmente o que elas pensaram. Mas fiquei-lhes grato por ter presenciado uma chama tão intensa.
Não compreendo os que as olharam com desdém. Escândalo?
Escândalo seria o enorme esforço por matarem o que sentiam apenas por causa do que quem as rodeava poderia pensar…