Estação de Metro, 11:20 da noite.
Os comboios não só encolhem, como se tornam mais raros, obrigando a que os poucos e raros passageiros se arrumem num canto do cais e apanhem grandes secas, aproveitem para por a literatura ou as notícias em dia, que se encostem para trás e fechem os olhos, sendo estas apenas algumas das miríades de formas possíveis para ocupar o tempo nesta situação…
…em que me encontrava neste momento,…
…com a exceção de que a estação estava de tal forma deserta que esperava, a qualquer momento, sentir um vento que levantasse a poeira no ar e fizesse rebolar um arbusto seco, ouvindo apenas o ruido de fundo provocado pelos ventiladores.
O som distante de uns saltos anunciou-me o fim da minha solidão vindo da outra ponta da estação, fazendo-me olhar naquela direção. Pelas escadas desce uma mulher, aparecendo primeiros as botas de salto, de cano alto, mais alto do que eu esperava, acima do joelho, onde acabavam, deixando ver um pouco da perna antes do começo do vestido curto, muito curto, colado ao corpo revelando-lhe as formas elegantes, prendendo-me a atenção enquanto chega ao fim da escada, revelando-se por inteiro como uma mulher bela, mesmo a esta distância, e caminha com passos de uma segurança absoluta na minha direção, fazendo notar que era obvio que sabia que o comboio pararia na outra ponta da estação, cada passo fazendo o seu cabelo preto comprido ondular, e acaba por parar praticamente á minha frente, não conseguindo eu, por um único momento desviar os olhos dela, descobrindo cada detalhe que estava velado pela distância, não conseguindo formular qualquer outro pensamento que não seja “BOA!”, expressão que aliás devo estar estampada no rosto.
Acho até que me esqueci de respirar…
Ela parece ignorar a minha presença de uma forma completa e total, atitude que eu, aliás, achei absolutamente natural. Mas eu não conseguia deixar de olhar para ela, a aguardava cada movimento dela para tentar notar mais algum detalhe, como a cor o batom que lhe transformava os lábios carnudos em armas letais, ou aqueles olhos de um azul frio e distante, que contribuía ainda mais para a sua sensualidade.
Mas o que mais impressionava, mais que as curvas do corpo desenhado, certamente, por Milo Manara, era a sua postura. Uma presença que eu não podia, e diga-se de passagem, nem queria ignorar.
O comboio chegou, apesar das minhas preces para que houvesse uma avaria na linha. Entrei na primeira porta do comboio, ela entrou na seguinte, a meio da primeira carruagem. Sentei-me no primeiro banco, virado para o fundo do metro, de costas para o sentido da viagem, enquanto ela se sentou uns bancos mais à frente, virada para mim. Tentei ignorá-la, não ficar embasbacado a olhar para ela, mas era quase impossível. Deixei o meu olhar vaguear, forcei-me a ler todos os cartazes informativos e publicitários, mas a presença dela era magnetizante e eu sentia que os meus olhos eram feitos de material ferroso. Tentando não ser demasiado óbvio, observava-a pelo reflexo nas janelas, dentro dos tuneis escuros, por onde podia absorver as formas desenhadas do seu corpo sentado.
Já ela, ignorava-me totalmente.
Chegamos à estação terminal, o Cais do Sodré, levantei-me pouco antes do comboio de imobilizar. Ela deixou-se estar sentada. As portas abriram, lancei-lhe um último olhar, de relance, e sai, subindo as escadas que me levavam à passadeira rolante que atravessa toda a estação. Da passadeira vi-a, percorrendo a estação quase deserta em direção às escadas na outra ponta com o seu passo seguro. Deixei-a para trás e tentei, finalmente retirá-la do meu pensamento.
Sai da estação em direção ao terminal fluvial, acendi um cigarro e, junto às portas de acesso ao terminal de embarque para o meu destino, verifiquei que o meu barco ainda não tinha chegado, pelo que me deixei ficar na rua a apreciar o meu cigarro. Quando o acabei, entrei e vi as caras familiares que apanham o barco àquela hora todos os dias, caras familiares apenas por circunstância, desconhecidos que estamos habituados a ver.
O barco não demorou. As portas abriram, os poucos que estávamos entraram para o barco. Como de costume, foi quase toda a gente para a parte de trás, para o pé do bar, a maioria homens que aproveitavam para se juntar e falar de coisas importantes, como, por exemplo, futebol, ou noutras ocasiões, futebol também (sim, o tema costuma variara bastante…) e alguns, poucos a subirem a escada para o primeiro andar. Como de costume, fiquei com meio barco só para mim. Fui para a primeira fila, que não é bem a primeira, uma vez que há uma outra, de fronte, virada para a ré, peguei no telemóvel, carreguei um dos jogos da moda e preparei-me para trucidar porcos, fisgando-os com pássaros.
O barco arranca em direção ao meu destino e eu recosto-me, fixando os olhos no telemóvel e tentando tirá-la do meu pensamento.
Ouço uns saltos a percorrer o corredor na minha direção. Tento não ligar e concentro-me no jogo. Consigo ver, pela minha visão periférica quando a pessoa chega ao meu lado, virando na minha direção, que é ela, e o meu coração tem uma palpitação súbita que advém desta realização e posso sentir os olhos dela cravados em mim enquanto chega à minha frente e se senta, cruzando a perna, tocando-me enquanto o faz, culpa da exiguidade do espaço, e fica com os olhos cravados em mim, um olhar firme, carregado e inquiridor. Já eu, encolho-me o mais possível no meu lugar, cravo ainda mais os olhos no telemóvel e reduzo-me à minha insignificância.
Ela fica, a olhar para mim, e eu a fazer todos os possíveis por fingir que não dou pela presença dela. É uma situação, no mínimo, enervante. Por fim, incapaz de ignorar os olhos azuis, faiscantes e frios que estão postos em mim, olho-a, meio a medo.
-Há pouco não desviavas os olhos de mim e agora ignoras-me? – Perguntou.
Senti-me a enrubescer, sem saber o que responder, se havia de pedir desculpa ou ignorá-la. Apetecia-me levantar-me, sair dali, descobrir um buraquinho e enfiar-me lá. Ela notou a minha reação muda e esboçou um pequeno sorriso pelo canto dos lábios.
Num movimento fluido, descruza as pernas, chega-se à frente no banco, estende o braço na minha direção, agarra a minha t-shirt, puxa-me para ela e colo os meus lábios aos dela, apanhando-me de surpresa e toldando-me por completo os sentidos, fazendo com que eu ouço o meu bater do coração nos meus ouvidos e fazendo, apenas num instante, que todo o meu corpo pareça ferver.
O beijo acaba repentinamente, como começou, deixando-me num estado quase catatónico.
Ela vê a minha reação e solta uma risada.
-O sexo forte… - comenta com ironia, o seu rosto iluminado por sorriso luminoso de muida traquina que acabou de fazer uma travessura. Depois levanta-se, inclina-se para mim, põe uma mão nas minhas calças, por cima do meu sexo entumecido, aperta ligeiramente, como se verificasse o meu estado de excitação, chega-se bem perto do meu ouvido e sussurra:
-Quando os Deuses querem castigar os mortais, respondem às suas orações.
Com um movimento rápido, fluido e subtil, desaperta-me o cinto e as calças, metendo a mão por dentro delas, tocando-me, e depois agarra-me as calças e puxa-as para baixo, expondo-me ao seu olhar, masturba-me por uns instantes, fazendo aumentar ainda mais a minha excitação, endireita-se, faz subir o vestido, revelando-me ainda mais do seu corpo perfeito, faz os dedos da sua mão direita entrarem na minha boca, fazendo-me lambê-los, o que eu faço com deleite, afasta a sua cueca para o lado, revelando-se a mim e toca-se com a mão insalivada por mim, soltando um pequeno gemido, agarra-me novamente, senta-se em cima de mim, fazendo-se penetrar de uma vez só, abraça-me e fode-me, invadindo-me com um mar de sensações difíceis de descrever, mas todas puramente animais, o desejo à flor da pele.
O orgasmo não demora a chegar para ambos, motivado pela animalidade do acto, pela sensação de transgressão, por sabermos que a qualquer momento uma das pessoas do andar de cima poderia descer e ver-nos, mas chega com uma intensidade absolutamente brutal.
Ela colapsa em cima de mim, por um breve momento, recompõe-se, levanta-se, passa a mão pelo sexo limpando os fluidos do meu orgasmo, leva a mão a boca, provando o meu sabor misturado com o seu, cola os lábios aos meus, fazendo-me provar, ajeita-se, faz descer o vestido, pisca-me o olho com um sorriso sacana e afasta-se, deixando-me ali sentado e mergulhado num êxtase difícil de racionalizar.
O barco chega ao cais logo em seguida, as pessoas que estavam no piso de cima descem, obrigando-me a compor as minhas roupas rápida e desmazeladamente, e aglomeram-se junto à porta enquanto esperam pelo final da manobra de atracagem para sair. Eu espero que a manobra acabe e que a porta abra para me levantar e aproveito esse pequeno intervalo de tempo para me recompor um pouco mais e ganhar folego.
Saio do barco e vejo-a caminhar à minha frente, com aqueles passos seguros, deixando-me sem saber como reagir. Aproximo-me dela, olho-a e sorrio, mas ela ignora-me completamente, deixando-me baralhado.
À saída do cais, um homem aguarda-a e a face dela abre-se num sorriso enquanto o abraça, se entrega nos braços dele e o beija. Ele leva-a até um carro de gama alta, estacionado ali ao pé, abre-lhe a porta, dá a volta ao carro e entra. Ela pausa por um momento antes de entrar, olha na minha direção, pisca-me o olho e sorri.
Depois entra para dentro do carro e fecha a porta…